Renato Russo viveu e morreu dilacerado. Foi explícito na simplicidade adolescente e na complexidade do amadurecimento. Foi Rimbaud como seu ídolo Jim Morrison: quis reinventar a única coisa que lhe interessava, o amor, e morreu por causa dele. "Verás que o amor em mim não cabe, não dá sossego", escreveu o poeta maldito francês. Renato sempre sofreu muito por amor. Fantasioso, gostava um pouco disto.
Cazuza viveu e morreu de excessos. Foi explícito até o fim, na maneira de escrever e no modo de encarar a morte. Foi transformer como o ídolo Lou Reed, caminhando sem medo, retorno ou piedade pelo lado selvagem da existência. Cazuza amava a vida e queria aproveitar cada minuto dela como quem usufrui o efeito derradeiro de uma droga. Hedonista, não era afeito a concessões.
Renato morreu feito um gato, escondido, como quem curte a solidão da morte. "Quando tudo é solidão, é preciso acreditar num novo dia", escreveu. Cazuza morreu feito uma fera, com as feridas expostas, como quem enfrenta a batalha perdida com orgulho de desafiá-la. "Solidão, que nada", proclamou. Renato e Cazuza morreram jovem, de um mesmo mal. Se mortes podem, de alguma forma, refletir personalidades; as deles foram um espelho fiel. Renato e Cazuza foram os maiores poetas da, geração roqueira dos anos 80, uma turma de, garotos que estava sendo sacudida pelo ideário punk, ainda se sentia abalada pela revolução hippie e vivia num país que ensaiava os primeiros passos democráticos. São parte da trilha sonora de uma década rica em descobertas e acúmulo de informação, atravessaram os anos expondo sentimentos e embalando romances, padeceram de uma morte anunciada e a encararam de forma diferente.
Cazuza agonizou em praça pública e alertou para o perigo da AIDS na capa de revistas semanais e nas telas sangrentas das tevês. Renato se recolheu ao seu mundo feito anjo triste e denunciou a doença e a exploração sensacionalista em versos de A Tempestade, seu último trabalho com a Legião Urbana: "Beba desse sangue imundo / e você conseguirá dinheiro / e quando o circo pega fogo / somos os animais na jaula" (Natália).
Cazuza foi Sid Vicious cuspindo na hipocrisia e chocando como lhe convinha. Magro, sem voz e sem forças, zombou da beleza da vida quando a morte era inevitável.
Renato foi Kurt Cobain, deixando órfãos perplexos e se entregando ao fascínio da morte (para ele, a busca de um lugar mais feliz). O desapego a uma existência que já não lhe dava prazeres foi sua prova derradeira de amor à vida.
Renato, o rebelde, Cazuza, o indomável, foram sexo, drogas e rock'n'roll em tempos de cólera. Seguiram os passos abertos por seus ídolos e pegaram a AIDS no meio do caminho (como disse o próprio Renato). Ao cruzar a esquina inevitável, mal tiveram tempo de olhar para trás, acrescente-se. Antes dela, porém; trilharam como homens livres o caminho do excesso que leva ao palácio da sabedoria de Blake, e deixaram sua herança. Os poetas morrem cedo. As poesias, jamais.
Fonte: legiao.skooterweb.com
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário